Eu não sou uma jovem mística

Por que eu não me considero uma jovem mística?
Vem comigo.

Jéssica no Vale do Pati, Chapada Diamantina


Um dia desses vi uma postagem absurda no Instagram. Uma seguidora perguntava para uma mulher bem jovem mística: “sempre tenho cândida após a menstruação, porquê?” Aí a moça “jovem mística” responde “candidíase está relacionada a bloqueios e frustrações na sexualidade.” E recomenda: “Limpeza emocional e energética do ventre.”


Para mim, o espiritual é uma dimensão humana, tal qual o corpo, a mente, as emoções, a família, a sociedade, a nacionalidade, etc. Você sobrepor o espiritual às outras dimensões é muita ignorância e irresponsabilidade. Antes de você considerar que algo é “bloqueio energético”, você precisa consultar um médico e tentar eliminar todas as causas mais óbvias para candidíase. “Quando isso começou? Como você higieniza suas calcinhas? Como você se alimenta? Você fica muito tempo com roupas apertadas? Seu parceiro ou sua parceira também tem os mesmos sintomas?”

Eu não sou médica, mas sou profissional de saúde em contexto de atenção primária e consigo utilizar o raciocínio clínico ao me deparar com sintomas físicos. O mesmo se aplica a problemas em qualquer uma das dimensões.


Vocês têm noção da gravidade deste tipo de conteúdo? No argumento do jovem místico, você atribui culpa individual a situações que estão fora do alcance da pessoa. A pessoa é unicamente responsável por todos os sintomas que lhe acometem, pois tudo tem uma causa espiritual, que normalmente vem da “invigilância”, “falta de proteção pessoal”, “bloqueio energético”, “pensamentos negativos”, etc.

E para resolver isso? “Assista meu workshop”, “compre meu cristal”, “use esse difusor pessoal maravilhoso”.


O capitalismo se apossa de tudo e o que era para libertar, te aprisiona. Eu afirmo que eu não sou uma jovem mística porque eu precisava esclarecer e me diferenciar do que vejo por aí.


Eu jamais vou afirmar que sua dor é espiritual, eu jamais vou dizer que sua doença é obsessão, eu nem vou conversar sobre esses assuntos se você mesmo não me perguntar. Eu tenho amigas de décadas com quem nunca troquei mais do que duas frases sobre assuntos relacionados à espiritualidade.


Eu tenho plena convicção de que o mundo não é dividido entre “puros” e “atrasados espiritualmente”.
Eu tenho certeza que meu referencial de vida não faz sentido para maioria das pessoas.
Eu respeito profundamente a crença (ou descrença) de qualquer pessoa da minha convivência.

Eu adoro cristais, objetos simbólicos, incensos, óleo essencial. Tudo isso vem me agregar, me trazer significado, fazer eu me conectar com o presente ou com emoções específicas. Mas eu nunca vou achar que óleo essencial cura tudo, que incenso afasta mal olhado, que cristal me purifica.

Jovem meditando


Eu não posso atribuir a aspectos externos, seja objetos ou pessoas, o meu próprio crescimento. Assim, eu fico dependente e dependência não é liberdade.


A minha relação pessoal com a espiritualidade é de libertação, felicidade e plenitude. Mas nem sempre foi assim (e às vezes não é). Muitas vezes já senti culpa e medo. Culpa por priorizar minha família em detrimento de alguma atividade religiosa, sendo o contrário também verdadeiro; medo de não evoluir nessa existência e estagnar no meu processo evolutivo.

Foi duro descobrir isso: mas não é o outro que vai me fazer evoluir. O outro só me mostra o caminho, mas eu que tenho que percorrê-lo com meus próprios pés. Além disso, o caminho não é uma linha reta, ele é um terreno íngreme, sinuoso, cheio de altos e baixos. A evolução não está num objeto ou numa tarefa. A evolução não está em um comportamento mecânico.

A evolução está na troca, na escuta, na vivência do presente, na afetividade, na compreensão, no olhar, na amorosidade, na dedicação do tempo, na humildade, no aprendizado genuíno, na coerência e em outras miudezas que a gente não compra em lugar nenhum.

Você não precisa sofrer para evoluir. Você só precisa exalar o que você já é. É quentinho se dar conta disso.


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